Ceci n’est pas un portrait.

Ceci n’est pas un portrait é um retrato de uma geração da arquitectura portuguesa, a difficult whole (1). Com curadoria e edição de Ana Luísa Soares, Filipe Magalhães, Maria Rebelo e João Paupério e fotografia de Francisco Ascensão, este livro é um olhar sobre a prática, reflexões e intenções de uma geração de arquitectos, no contexto português e além fronteiras. Uma geração que atravessou uma crise financeira no mesmo período em que Portugal recebe o seu segundo prémio Pritzker.
Ceci n’est pas un portrait apresenta 333 fotografias de 70 obras de arquitectura por 40 autores diferentes. As obras são apresentadas sem hierarquia ou índice e exclusivamente através das fotografias de um único fotógrafo, alternadas com 14 textos distribuídos uniformemente ao longo do livro. Em conjunto com os editores e fotógrafo, procurou-se dispor as fotografias num corpo uno, propondo-se uma leitura partilhada das mesmas, em detrimento de uma leitura individualizada de cada autor ou obra. Entendeu-se assim despir o livro de qualquer referência ou identificação directa das obras e dos seus autores e provocar o diálogo permanente entre várias práticas, contextos e locais — a autoria dá lugar a um território comum, a Arquitectura (2).
Existem no livro dois registos fotográficos: o médio formato, a cores, de proporção 4:5 e o 35 mm, em filme preto e branco, de proporção 2:3. Dois registos analógicos e em velocidades distintas: um mais pausado, de grande resolução; outro mais espontâneo e processual. As 333 fotografias foram distribuídas ao longo de 240 páginas, com base em duas premissas principais: a criação de um diálogo constante entre as obras dos vários arquitectos — não as/os distinguindo, mas diluindo e, simultaneamente, evidenciando a singularidade de cada imagem e a sua contribuição no desenho de um “retrato” de grupo; a procura de heterogeneidade, imprevisibilidade e surpresa tanto na sequência de imagens como na sua paginação (escalas, posições, espaço branco, etc), no seu ritmo de leitura e descoberta. Foram, nesse sentido, definidas um conjunto de linhas orientadoras que permitiram explorar as premissas enunciadas: proporção do livro a 3:4 [24×32cm] com imagens 4:5 e 2:3; páginas com 1, 2 ou 3 imagens; escalas de imagens a cor pré-definidas e variáveis, não repetidas no mesmo spread; dípticos e trípticos a preto e branco, com dimensões fixas e regulares; não repetição do mesmo arquitecto/obra em cada spread, no subsequente e antecedente; cruzamento de várias tipologias de imagens no mesmo plano (cor/preto; maquetes; atelier; construção; obra; etc).
As páginas de texto, no formato A4, foram compostas em fonte serifada, com alinhamento à esquerda e impressas a grafite sobre um papel de baixa gramagem e opacidade. Com um formato inferior ao do livro, as páginas de texto criam 14 pausas entre espaços de imagens, não actuando como separadores impositivos. Surgem como cartas assinadas, páginas ou notas “soltas” ao longo da publicação, distribuídas e intercaladas numa cadência métrica que respeita a estrutura de cadernos de 16 páginas. A sua presença e diluição no livro procura mimetizar, para o leitor, a mesma experiência que os autores dos textos tiveram, aquando do convite para a sua redacção, onde foi partilhado um primeiro esboço do livro, em formato digital, e proposta uma reacção ao conjunto das 333 imagens, despidas de contextos ou autorias. Os textos são assim fruto dessa descoberta, desse confronto e procura em decifrar um conjunto de imagens anónimas dispostas num formato livro.
Nas capas foi estampado o título Ceci n’est pas un portrait. A frase, inspirada em “The Treachery of Images” de René Magritte, é aqui escrita como statement e provocação. Reforçando o seu paradoxo linguístico e visual, foi desenhada uma composição alinhada ao centro num corpo sólido que preenche a totalidade do espaço, mas que é camuflado a branco sobre uma cartolina de textura martelada, azul e branca, lembrando os céus de Magritte. Sobre o retráctil que protege o livro na expedição e transporte, foram impressos os nomes dos autores das obras e textos numa composição em “nuvem”, distribuída em duas colunas. Estando o livro despido de referências autorais, entendeu-se expor no seu revestimento as mesmas, eliminando-as a partir do momento em que o rectráctil é rasgado e, o livro, aberto.
O livro convoca assim, em si, uma leitura bidirecional, sem a marcação de um inicio ou de um fim. (3) Procura uma não linearidade, quer na sua estrutura de conteúdos, sem numerações, hierarquias ou índices, quer na proposição presente nas duas capas, réplica uma da outra. Convida o leitor a uma descoberta da arquitectura e dos seus contextos pela imagem, isolada de qualquer enquadramento que guie ou condicione a sua leitura. Apenas na imagem e pelas imagens é possível ler qualquer informação, contexto ou geografia. Ela é o elemento agregador e catalizador na definição deste corpo comum que constrói o livro.
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“This book, deliberately, dilutes authorship and claims a collective energy. The photographs and works aren’t labeled or identified, making it a literal ‘difficult whole’.” Ceci n’est pas un portrait, Editors’ Notes.
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“Today, it is nearly impossible to distinguish architectural schools or styles. regional schools are homogenized by a universal system of education and references, temporal periodization is absorbed by the ‘contemporary’. In the book there is no claim about a certain tendency. The absence of captions is programmatic. rather than competing for clients and attention the images show a culture of generosity and mutual curiosity, a culture of openness and collectivity, immediacy and care, optimism and liveliness. A new beginning.” Philip Ursprung, “Show, Don’t Tell”, 2024.
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“Not unlike Borges’ Celestial Emporium, the erratic order of this book amplifies the rupture between the buildings and the images of these buildings. It is an architectural survey that can be utilized as both an instrument to record and a manual to instruct. It is a portrait of a promising generation on the cusp of navigating towards a new terrain, while actively pursuing their interests with conviction and quirkiness, producing a body of subversive work that signifies an incredibly exciting moment in the evolution of architecture in Portugal.” Mark Lee, “The Portrait of an Architectural Survey”, 2024.